quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O NATAL MAIS FELIZ DA MINHA VIDA

Lembro que Papai Noel estava na esquina
Em frente àquela loja fina
Onde meninos pobres não podiam entrar
Eu sentava tristonho na calçada
E observava a loja lotada
De gente que chegava pra comprar

E via bichinhos, bolas, aviões
Fortes apaches com os seus canhões
E soldadinhos prontos para atirar
E via trens, casinhas e carrinhos
Ioiôs e jogos de botão
Mas meu pai só tinha um dinheirinho
E tudo aquilo custava um dinheirão

E o Papai Noel ali, barrigudo,
De barbas brancas e sisudo
Não dava sequer um sorriso
Mesmo assim as crianças o cercavam
E pelas portas da loja entravam
Como se estivessem indo ao paraíso

Lembro que naquele dia uma senhora
Ao tropeçar calçada a fora
Chegando mesmo a soltar um palavrão
Deixou cair os pacotes que levava
E os brinquedos bateram na calçada
E esparramaram-se pelo chão

Assustada com aquele quase tombo
E vendo-me por sobre os ombros
Sozinho a observar Papai Noel
Olhou em meus olhos com tristeza
E fazendo daquele gesto uma certeza
Ofertou-me um embrulho de papel

Sem saber muito bem o que fazia
Agradeci à senhora que sumia
Misturando-se logo à multidão
E com o peito batendo em disparada
Disparei eu também pra minha casa
Com o presente apertado ao coração

Era um carrinho vermelho de corrida
Sem piloto e com uma roda partida
Mas que deu a um garoto pobre
O natal mais feliz de sua vida.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A AVE GIGANTESCA

Seu Manoel é um sujeito bonachão, de bem com a vida, que passa as tardes no bar, tomando pinga, enquanto espera sua aposentadoria de dois salários mínimos, fruto de vários anos como funcionário público. Seus passatempos preferidos, além da caninha, são o de pescar e passar horas conversando.
Seu Manoel não é sujeito de polemizar as questões, muito pelo contrário, ouve tudo com a maior atenção e somente quando percebe uma informação errada ou exagero, dá algum palpite na conversa.
Antigo morador do Corre-Água, conhece os habitantes pelos nomes, assim como a seus filhos e netos, sabem quem é “gente boa”, cultiva as amizades e sempre está em visita a alguma casa. Foi em uma dessas ocasiões que visitou a residência do Seu Jarbas, afamado mentiroso do lugar, e dele, entre um cafezinho e um cigarro de palha, ouviu uma história que lhe pareceu muito esquisita.
Seu Jarbas lhe disse que certo dia estava no mato, perseguindo o que parecia ser um veado, quando no meio da floresta, um local onde poucas pessoas costumam chegar devido à distância, percebeu uma árvore. “Mas não era uma árvore comum”, contou-lhe o loroteiro. Era uma árvore de tamanha largura que com certeza cem homens, de mãos dadas, não conseguiriam abraçá-la. Seus galhos eram quilométricos, enormes mesmos, e as folhas imensas, que apenas uma daria para cobrir uma cabana. Qual a altura da árvore? Não dá nem pra imaginar, porque chegava até as nuvens. “É a mais pura verdade, Seu Manoel. É uma pena que na volta eu perdi a trilha do matão onde encontrei a árvore”, finalizou Seu Jarbas, gabando-se.
Seu Manoel coçou a barba rala e procurou não desmerecer o amigo. Mas, antes de ir, contou um caso que se passou, certo dia, quando estava sentado na varanda de seu sítio.
“Eu estava ali, pensando na vida, quando o céu de repente escureceu. Olhei para cima e, o que vi? Era uma ave de plumagem colorida como o arco-íris. Mas quem me dera que fosse um pássaro comum. Este era enorme, gigantesco mesmo. Suas asas eram tão grandes que encobriam o sol. E a calda? Era tão comprida que durante pelo menos meia hora passou em minha frente aquela procissão de plumagem sem fim”.
- Puxa, Seu Manoel. Isso só pode ser uma aberração da natureza. Afinal, pra que Deus criaria uma ave assim tão grande?
- Com certeza para pousar na sua árvore – emendou Seu Manoel.

Joseli Dias
do livro O Conto do Vigário

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

ARMANDO COM ESMAELINO

Esmaelino era um pedreiro afamado que morava bem próximo de casa. Em pleno inverno, no entanto, atravessava tempos bicudos. Sua mulher e seus filhos só não passavam fome porque a sogra, vez em quando, mandava um pouco de fubá, café, açúcar e até mesmo um naco de carne. Mas as coisas começaram a piorar quando a velha adoeceu e parte do dinheiro de sua aposentadoria foi gasta em remédios e despesas médicas. Estava Esmaelino pensando na vida, quando foi chamado pelo seu Armando, homem de posses, para realizar alguns serviços em sua casa. Seu Armando tinha fama de trambiqueiro, mas Esmaelino, que havia se mudado para o bairro há pouco tempo, não sabia de nada e lá se foi na maior boa vontade.
Seu Armando explicou o serviço, acertou o preço e providenciou o material. Eram arremates difíceis, mas Esmaelino pouco se importava. Trabalharia dia e noite, se fosse preciso, mas terminaria no máximo em dois dias. O dinheiro daria para manter o sustento de sua família por pelo menos uma semana, tempo suficiente para que providenciasse outro “bico”.
Tudo pronto, Seu Armando fez questão de inspecionar o serviço. Achou tudo ótimo, beleza mesmo. Esmaelino ouvia tudo, contente pelos elogios, e mais ainda porque iria colocar algum dinheiro no bolso. Seu Armando explicou então que voltasse à tardinha para que acertassem as contas, pois iria até o banco retirar a quantia para o pagamento.
Esmaelino já se imaginava no supermercado, cestas de compras nas mãos. Levaria primeiro leite e araruta para o menorzinho. Em seguida escolheria o que a esposa desejasse para o rancho da semana, Levaria também alguns doces e, quem sabe, passaria na loja para comprar um corte de chita para a mulher, que já estava com as roupas bem surradas.
Ao chegar na casa tocou a campainha e foi recebido pela empregada Nicinha, sendo informado que Armando tinha viajado e só voltaria dali a 15 dias. Esmaelino não acreditou no que ouviu. Ficou furioso, zangado mesmo por ter sido enganado pelo patrão. A noite, ao ouvir o filho chorar de fome, jurou que quando Armando chegasse, iriam ajustar as contas de uma maneira ou de outra, não importando as conseqüências.
Os dias se arrastaram, Esmaelino se virava como podia par ir enganando a fome, até que certa tarde soube que Armando havia retornado. “Vai ser hoje”, disse para sim mesmo, enquanto seguia para a casa, disposto a arrancar seu dinheirinho nem que fosse na marra.
Chegou, tocou a campainha e Nicinha veio atender. Esmaelino não se deu ao trabalho de dizer o que queria. Empurrou a porta, atravessou a sala e já se precipitava pelo corredor quando topou com Armando, que naquele momento saía do quarto. Iniciou os xingamentos ali mesmo:
- O senhor me enganou, disse que ia me pagar e agora está me enrolando? Eu quero é o meu dinheiro já, senão vou...
E seu Armando, com uma voz muito mansa e tranqüila:
- Calma, Esmaelino, Calma...
- Mas seu Armando...
- Calma, Esmaelino, pense comigo: As coisas não se resolvem melhor quando todos mantemos a calma? É claro que vou lhe pagar agora, mas não teria sido melhor se você tivesse chegado com educação? Você tocaria a campainha, a Nicinha iria atender e diria, evidentemente, que eu estava em casa, porque eu não costumo me esconder. Você entraria, sentaria ali naquele sofá confortável, nós tomaríamos um cafezinho juntos, eu lhe pagaria, apertaríamos as mãos e seríamos bons amigos. Não seria melhor assim?
- Claro, seu Armando, mas é que...
- Pois para provar que eu não guardo rancor, vou fingir que não aconteceu nada e você entra de novo por aquela porta, desta vez com bons modos. Faça isso, meu filho, faça...
E Esmaelino foi até lá fora, ajeitou a camisa e educadamente tocou a campainha. Quando Nicinha veio atender, usou a voz mais educada possível:
- O Doutor Armando está?
- Não, acabou de sair correndo pela porta dos fundos – sentenciou a empregada.

Joseli Dias
do livro O Conto do Vigário

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A LAMPARINA E O LAMBARI

Durante vários anos andei pelo interior, pesquisando lendas para a publicação de um livro. Nas minha andanças tive contato com os tipos mais estranhos, que diziam ter visto assombrações, outros conheciam encantos milagrosos e outros, ainda, eram mais encantadores por serem típicos e engraçados: os mentirosos.
Lá no Corre-Água, próximo ao distrito de São Joaquim do Pacuí moram Seu Francisco e Seu Jarbas, vizinhos e compadres, que na cata de coisa melhor para fazer, contam lorotas um para o outro. E o pior é que juram pela saúde dos filhos e pelo amor da mãe, que trata-se da mais pura verdade.
Um certo dia a disputa por quem aplicava uma lorota de bom tamanho terminou empatada. Seu Francisco contou a Jarbas que na noite anterior foi até o rio Corre-Água, pescar. Antes, na falta de óleo para sua lamparina, retirou um pouco de banha de traíra e experimentou acender o pavio. E não é que a coisa funcionou? Mas esse, afinal, ainda não era o melhor da história. Eis que quando tentava fisgar um jeju, atrapalhou-se e jogou a lamparina no rio. A bicha afundou, afundou... mas vejam só, já que o óleo era de peixe, que por sua vez vive na água, a lamparina não apagou. “Está lá para quem quiser ver”, concluiu seu Francisco, dando uma pitada no cigarro de palha.
Seu Jarbas não questionou. Tecendo seu próprio cigarrinho, disse acreditar piamente na história, mas também resolveu contar um fato estranho que lhe havia acontecido dias antes. Estava ele no mesmo rio, tentando apanhar um pirarucu de mais de metro que havia percebido ali dias antes. Estava com o arpão em punho, esperando o peixão vir à tona para respirar. De repente percebeu o movimento do peixe e arpoou. Acertou em cheio, mas qual sua surpresa? O bicho que brigava com o arpão não era um pirarucu. Era um lambari. Mas não era apenas um lambari. Era um “senhor lambari”, com quase um metro de tamanho e pesando mais de cem quilos. E o danado tanto brigou que conseguiu fugir do arpão quando já estava quase apanhado.
- Mas um lambari, compadre Jarbas? Todo mundo sabe que o lambari é do tamanho de uma sardinha...
- Pois é, compadre, não sei porque cargas d’água este era enorme, grande mesmo. Juro pela memória da minha mãe, já falecida, que Deus a tenha.
Terminando a conversa os dois compadres se despediram e foram dormir. Já era madrugada quando Seu Francisco bateu à porta de Seu Jarbas. Este atendeu, ainda sonolento e recebendo de pronto a proposta do vizinho e compadre:
- Olha, Seu Jarbas, eu não consigo dormir, portanto vamos fazer o seguinte: o senhor diminui o tamanho do seu lambari, que eu apago a minha lamparina.

Joseli Dias
Do livro o Conto do Vigário

O CHEM

Eu era editor de polícia de um jornal local quando o repórter que cobria a delegacia solicitou demissão para engajar-se na Marinha, como recruta. A diretoria do jornal bem que tentou fazê-lo mudar de idéia, acrescentando um bom aumento em seu salário e certas regalias, mas o rapaz estava irredutível. Queria ser marinheiro e partiu no dia seguinte, depois de um porre homérico com os amigos no Betão, bar que vendia fiado aos jornalistas do setor.
Na época o número de profissionais de imprensa era bem reduzido e os melhores estavam contratados com bons salários, o que dificultava convencer alguns deles a entrar para nossa equipe. A única maneira foi arrumar um estagiário e tentar transformá-lo em repórter para preencher a lacuna. Foi assim que chegou José Messias, que por beber muito, ter várias mulheres, mentir demais, desmerecendo assim ostentar o título de “Cristo”, passou a ser chamado de “Profeta” pelos colegas de redação.
“Profeta” até que levava jeito. Garoto novo, não media esforços para conseguir matérias e começou a ganhar elogios tanto dos colegas como da própria direção do jornal, que o contratou um mês depois. Ele ficou conhecido rapidamente, ganhava tapinhas nas costas, mas andava sempre duro, já que o pouco que ganhava gastava com mulheres na zona do Buritizal. O engraçado, ele dizia, é que os colegas faziam a mesma coisa e sempre tinham o do cigarro e trocados para o lanche. Foi então que lhe explicaram sobre o “chem”.
- A gente vai fazer uma determinada matéria que envolva gente importante e aproveita para elogiar sutilmente este ou aquele sujeito, ou mesmo a empresa deles. Os elogiados ficam tão satisfeitos que sempre nos oferecem “o da cerveja”, explicou alguém ao “Profeta”, que ficou surpreso.
- Quer dizer que se eu elogiar alguém ou uma empresa, ganho dinheiro? Isso é ótimo e vou começar a faturar agora mesmo...
E foi assim que o “Profeta” saiu para uma ronda diária pela Delegacia de Acidentes e voltou, 30 minutos depois, eufórico e dizendo que estava pronto para fazer o seu “Chem”. Sua matéria foi devolvida com muitos esporros porque dizia o seguinte:
“... O Chevete e o Fusca colidiram em frente à Auto Tintas Maranata, onde você encontra pincéis, tintas automotivas, lixas, solventes, massas, e tem um atendimento de primeira. É só falar com o dono.
(Do livro O Conto do Vigário)