segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

ARMANDO COM ESMAELINO

Esmaelino era um pedreiro afamado que morava bem próximo de casa. Em pleno inverno, no entanto, atravessava tempos bicudos. Sua mulher e seus filhos só não passavam fome porque a sogra, vez em quando, mandava um pouco de fubá, café, açúcar e até mesmo um naco de carne. Mas as coisas começaram a piorar quando a velha adoeceu e parte do dinheiro de sua aposentadoria foi gasta em remédios e despesas médicas. Estava Esmaelino pensando na vida, quando foi chamado pelo seu Armando, homem de posses, para realizar alguns serviços em sua casa. Seu Armando tinha fama de trambiqueiro, mas Esmaelino, que havia se mudado para o bairro há pouco tempo, não sabia de nada e lá se foi na maior boa vontade.
Seu Armando explicou o serviço, acertou o preço e providenciou o material. Eram arremates difíceis, mas Esmaelino pouco se importava. Trabalharia dia e noite, se fosse preciso, mas terminaria no máximo em dois dias. O dinheiro daria para manter o sustento de sua família por pelo menos uma semana, tempo suficiente para que providenciasse outro “bico”.
Tudo pronto, Seu Armando fez questão de inspecionar o serviço. Achou tudo ótimo, beleza mesmo. Esmaelino ouvia tudo, contente pelos elogios, e mais ainda porque iria colocar algum dinheiro no bolso. Seu Armando explicou então que voltasse à tardinha para que acertassem as contas, pois iria até o banco retirar a quantia para o pagamento.
Esmaelino já se imaginava no supermercado, cestas de compras nas mãos. Levaria primeiro leite e araruta para o menorzinho. Em seguida escolheria o que a esposa desejasse para o rancho da semana, Levaria também alguns doces e, quem sabe, passaria na loja para comprar um corte de chita para a mulher, que já estava com as roupas bem surradas.
Ao chegar na casa tocou a campainha e foi recebido pela empregada Nicinha, sendo informado que Armando tinha viajado e só voltaria dali a 15 dias. Esmaelino não acreditou no que ouviu. Ficou furioso, zangado mesmo por ter sido enganado pelo patrão. A noite, ao ouvir o filho chorar de fome, jurou que quando Armando chegasse, iriam ajustar as contas de uma maneira ou de outra, não importando as conseqüências.
Os dias se arrastaram, Esmaelino se virava como podia par ir enganando a fome, até que certa tarde soube que Armando havia retornado. “Vai ser hoje”, disse para sim mesmo, enquanto seguia para a casa, disposto a arrancar seu dinheirinho nem que fosse na marra.
Chegou, tocou a campainha e Nicinha veio atender. Esmaelino não se deu ao trabalho de dizer o que queria. Empurrou a porta, atravessou a sala e já se precipitava pelo corredor quando topou com Armando, que naquele momento saía do quarto. Iniciou os xingamentos ali mesmo:
- O senhor me enganou, disse que ia me pagar e agora está me enrolando? Eu quero é o meu dinheiro já, senão vou...
E seu Armando, com uma voz muito mansa e tranqüila:
- Calma, Esmaelino, Calma...
- Mas seu Armando...
- Calma, Esmaelino, pense comigo: As coisas não se resolvem melhor quando todos mantemos a calma? É claro que vou lhe pagar agora, mas não teria sido melhor se você tivesse chegado com educação? Você tocaria a campainha, a Nicinha iria atender e diria, evidentemente, que eu estava em casa, porque eu não costumo me esconder. Você entraria, sentaria ali naquele sofá confortável, nós tomaríamos um cafezinho juntos, eu lhe pagaria, apertaríamos as mãos e seríamos bons amigos. Não seria melhor assim?
- Claro, seu Armando, mas é que...
- Pois para provar que eu não guardo rancor, vou fingir que não aconteceu nada e você entra de novo por aquela porta, desta vez com bons modos. Faça isso, meu filho, faça...
E Esmaelino foi até lá fora, ajeitou a camisa e educadamente tocou a campainha. Quando Nicinha veio atender, usou a voz mais educada possível:
- O Doutor Armando está?
- Não, acabou de sair correndo pela porta dos fundos – sentenciou a empregada.

Joseli Dias
do livro O Conto do Vigário

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