quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O CHEM

Eu era editor de polícia de um jornal local quando o repórter que cobria a delegacia solicitou demissão para engajar-se na Marinha, como recruta. A diretoria do jornal bem que tentou fazê-lo mudar de idéia, acrescentando um bom aumento em seu salário e certas regalias, mas o rapaz estava irredutível. Queria ser marinheiro e partiu no dia seguinte, depois de um porre homérico com os amigos no Betão, bar que vendia fiado aos jornalistas do setor.
Na época o número de profissionais de imprensa era bem reduzido e os melhores estavam contratados com bons salários, o que dificultava convencer alguns deles a entrar para nossa equipe. A única maneira foi arrumar um estagiário e tentar transformá-lo em repórter para preencher a lacuna. Foi assim que chegou José Messias, que por beber muito, ter várias mulheres, mentir demais, desmerecendo assim ostentar o título de “Cristo”, passou a ser chamado de “Profeta” pelos colegas de redação.
“Profeta” até que levava jeito. Garoto novo, não media esforços para conseguir matérias e começou a ganhar elogios tanto dos colegas como da própria direção do jornal, que o contratou um mês depois. Ele ficou conhecido rapidamente, ganhava tapinhas nas costas, mas andava sempre duro, já que o pouco que ganhava gastava com mulheres na zona do Buritizal. O engraçado, ele dizia, é que os colegas faziam a mesma coisa e sempre tinham o do cigarro e trocados para o lanche. Foi então que lhe explicaram sobre o “chem”.
- A gente vai fazer uma determinada matéria que envolva gente importante e aproveita para elogiar sutilmente este ou aquele sujeito, ou mesmo a empresa deles. Os elogiados ficam tão satisfeitos que sempre nos oferecem “o da cerveja”, explicou alguém ao “Profeta”, que ficou surpreso.
- Quer dizer que se eu elogiar alguém ou uma empresa, ganho dinheiro? Isso é ótimo e vou começar a faturar agora mesmo...
E foi assim que o “Profeta” saiu para uma ronda diária pela Delegacia de Acidentes e voltou, 30 minutos depois, eufórico e dizendo que estava pronto para fazer o seu “Chem”. Sua matéria foi devolvida com muitos esporros porque dizia o seguinte:
“... O Chevete e o Fusca colidiram em frente à Auto Tintas Maranata, onde você encontra pincéis, tintas automotivas, lixas, solventes, massas, e tem um atendimento de primeira. É só falar com o dono.
(Do livro O Conto do Vigário)

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